Na voz de Rita ouvimos versos como “Nunca fui santa/ Nunca fui boba”, “Moça bonita, só de boca fechada,/ Menina feia, um travesseiro na cara,/ Dona de casa só é bom no café da manhã” ou ainda “Só quem já morreu na fogueira/ Sabe o que é ser carvão”.
Agora, ela, que poderia estar em casa só chupando drops de anis e descansando, escreve sobre a descoberta de um câncer e sobre como tem lutado contra a doença.
E se Rita faz você pensar em São Paulo, como fez o Caetano Veloso de “Sampa”, talvez seja a oportunidade de misturar coração e esquina de uma nova forma. A Companhia das Letras acaba de lançar toda a obra de Roberto Piva no volume “Morda Meu Coração na Esquina” (R$ 99,90, 504 págs., R$ 39,90 ebook).
Quando Piva chegou ao cenário literário nos anos 1960, sob influência do surrealismo de André Breton, ele causou um terremoto no ambiente super-racional da poesia concreta. O jornalista Guilherme Genestreti ouve o organizador do livro, o crítico e professor da Unicamp Alcir Pécora, o escritor e cineasta José Silvério Trevisan e a jornalista Renata D’Elia, que conviveram com o poeta, que desde jovem arrombava “festas por aí com amigos selvagens” e que costumava dizer que um poeta experimental precisa ter uma vida experimental.
Muito antes do personagem de Woody Allen em Paris, Piva imaginou escritores vagando pelo centro de uma cidade. No caso, a praça da República, povoada, em seus sonhos, por Garcia Lorca e Rimbaud.
Que o rock de Rita e a poesia marginal de Piva possam animar a semana de leitoras e leitores. Até a semana que vem,
ÚRSULA PASSOS
Jornalista, é mestre em filosofia pela USP.
acabou de chegar
“Um Pé na Cozinha” (Fósforo, R$ 99,90, 400 págs.; R$ 49,90 ebook), de Taís de Sant’Anna Machado, propõe olhar com atenção para um trabalho invisibilizado: o trabalho de cozinheiras negras no Brasil. O livro, que nasceu da tese de doutorado da socióloga, busca desconstruir a cozinha como um lugar de miscigenação perfeita cheio de bons afetos para sublinhar a ação política. “A conversa sempre esteve na cozinha e isso dava possibilidade de tramar, de se movimentar. A gente foi confinada ali. E o que gente construiu nesse confinamento?", diz Machado em entrevista à jornalista Gabriela Mayer.
“Poemas Tardios” (trad.: Stephanie Borges, Rocco, 49,90, 176 págs.; R$ 29,90 ebook) reúne escritos de 2008 a 2019 da canadense Margaret Atwood, que há mais de uma década não publicava um livro de poesia. Ela coloca, ali, muitas perguntas –e responde algumas– sobre perdas, o passado e a morte. Para a crítica Ligia Diniz , porém, seus questionamentos ficariam melhor em crônicas e ensaios. “Fica a impressão que Atwood caiu na balela de que escrever um poema é colocar emoções em um texto e quebrar as linhas desse texto aleatoriamente, formando versos”, escreve.
“O Corpo Desvelado: Contos Eroticos Brasileiros (1922-2022)” (Cepe, R$ 90, 592 págs.) é uma antologia organizada por Eliane Robert Moraes. Ali estão, agrupados em blocos temáticos, textos de escritores como Mário de Andrade, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu, Reinaldo Moraes e Sérgio Sant'Anna. O escritor Tiago Ferro propõe em sua crítica uma leitura dos contos à procura da floração tardia dos procedimentos da vanguarda artística
da estante
“– Sei que não devia ligar tão cedo. Sinto muito mesmo. Uma hora em que nem os galos começaram a cantar. Em que a lua deplorável pende no canto oriental do céu como um rim gasto. Mas ponha-se no meu lugar: tive de atravessar o breu até chegar aqui. Com este cartão de telefone que ganhei no casamento do meu primo preso à minha mão. Com uma foto do feliz casal de mãos dadas. Pode imaginar como é deprimente? Minhas meias nem mesmo combinam, por Deus! Uma tem a imagem do Mickey Mouse, a outra é lisa, de lã. O meu quarto é um completo desastre, não consigo achar nada lá. Não quero dizer isso em voz alta, mas você não ia acreditar em como minhas calcinhas são horríveis. Duvido que até mesmo um desses ladrões de calcinhas tocasse nelas. Se algum pervertido me matasse, eu nunca superaria essa vergonha.”
Eis o trecho de uma das ligações de Sumire a K., personagens de “Minha Querida Sputnik”, livro de 1999 de Haruki Murakami, na tradução de Ana Luiza Dantas Borges para a Alfaguara.
Em fevereiro foi anunciado que um novo livro de Murakami será publicado no Japão no dia 13 de abril, seis anos após seu último lançamento, “O Assassinato do Comendador”. Por enquanto sabemos que o volume terá 1.200 páginas e o mesmo nome de um conto de 1980 do autor, “A Cidade e seus Muros Incertos”, em inglês “The City and Its Uncertain Walls”.
A atriz Sônia Braga, fotografada por Bob Wolfenson em 1987
A Boitempo relança a obra de Astrojildo Pereira, crítico literário e um dos fundadores do Partido Comunista, morto em 1965. Como nos explica o professor Alcir Pécora na Ilustríssima, os volumes evidenciam a força do pensamento marxista no Brasil. Pereira muito se dedicou a Machado de Assis, que visitou no leito de morte quando jovem, e via em sua obra a operação intuitiva do materialismo dialético.
Morreu no último sábado, aos 73 anos, o cartunista Paulo Caruso, definido por Laerte como o "grande herói do quadrinho brasileiro”. O quadrinista Adão Iturrusgarai conta como conheceu Caruso primeiro pelas páginas d’O Pasquim, depois num restaurante com Angeli para, em seguida, após um show da banda formada pelos irmãos Caruso, Cláudio Paiva e Luis Fernando Verissimo, tornarem-se amigos.
“O Livro Falado” reúne fotografias de toda a carreira de Bob Wolfenson organizadas por Kiko e João Farkas. Até o dia 16 de abril, no MIS de São Paulo, é possível ver algumas das fotos numa exposição gratuita.
em roda
O Encontro de Leituras, evento mensal em parceria com o jornal Público, de Portugal, recebe em março o escritor Geovani Martins para falar sobre “Via Ápia” (Companhia das Letras). A reunião acontece dia 14, terça-feira, às 19h de Brasília, neste link ou na reunião 863 4569 9958. A senha de acesso é 553074.
Recentemente falamos nesta newsletter sobre a volta do debate em torno da causa da morte de Pablo Neruda. Pois a jornalista Sylvia Colombo nos conta em seu blog outra polêmica que envolve o poeta. Enquanto no Brasil nos lamentamos pela ausência de um Nobel, o Chile, que pode se vangloriar de já ter levado dois, se vê dividido entre defensores de Gabriela Mistral, laureada em 1945, e Neruda, premiado em 1971. É bem verdade, leitores e leitoras, que Mistral, frente ao bem mais popular Neruda, estava mesmo merecendo um novo holofote, para que o interesse por sua obra não se perca entre as novas gerações.
“A palavra, para o jornalista, não é a mesma que para os escritores. Para o jornalista, ela cabe num lenço molhado. Para os escritores, ela pode exigir o Oceano Atlântico. Mas, ao contrário dos escritores, que, se quiserem, podem se deixar levar pela palavra, o jornalista tem de subjugá-la e submetê-la aos torniquetes fundamentais de seu ofício: a objetividade, a clareza e a verdade.” Leia a íntegra do discurso de posse de Ruy Castro na ABL, proferido na última sexta, no Rio de Janeiro.
E por falar em imortais, o novo presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, deu entrevista ao repórter Maurício Meireles sobre os planos para sua nova gestão, a relação com os funcionários e o que foi feito nos quatro anos de governo Bolsonaro.
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