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11/08/2022 às 08h24min - Atualizada em 11/08/2022 às 08h24min

Meio Político: Nascimento, ascensão e domínio do Centrão

Pedro Doria
Meio

Por Pedro Doria

O próximo presidente da República terá, logo no primeiro mês de mandato, um desafio: é a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. Arthur Lira é candidatíssimo e sua promessa para os parlamentares não é pequena. É manter o Orçamento Secreto. É manter, no Congresso Nacional, o controle de uma verba que em teoria o Executivo deveria comandar. Uma verba que dá autonomia ao Baixo Clero dos deputados, compra suas reeleições, e ao mesmo tempo impede que o governo possa direcionar dinheiro para onde é necessário. Caso as pesquisas se confirmem e Lula seja mesmo o novo ocupante do Planalto, o Centrão será uma ameaça concreta à governabilidade. A essa altura, não custa voltarmos atrás na história porque a palavra ‘Centrão’ engana. Ela representa sim, e há 35 anos, uma mesma força política dentro do Legislativo. Mas a forma como esta força se organiza mudou tanto neste arco do tempo que, de uma estrutura que permitiu o Brasil ser governável perante a fragmentação partidária, tornou-se uma ameaça a esta mesma governabilidade.

É provavelmente adequado que o pai do Centrão tivesse também um apelido no aumentativo — Roberto Cardoso Alves. O Robertão. Embora no período inicial da Ditadura tivesse pertencido à Arena, partido do regime, foi cassado em 1968 por defender o mandato de parlamentares da oposição — Alves era contra o AI-5 e se elegeu, para a Assembleia Constituinte, pelo PMDB.

Ocorre que os mais conservadores, como ele, entraram na Constituinte desorganizados. Quem tinha real controle político dos trabalhos, sob as bênçãos do presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães, eram os parlamentares que, por aqueles anos, fundariam o PSDB. E pelo menos três pautas dos futuros tucanos geravam um incômodo imenso em grupos distintos que não encontravam coesão. Uma era a Reforma Agrária, outra era o Parlamentarismo e, a terceira, o limite em quatro anos do governo José Sarney. Tinham pressa em entregar eleições diretas para o Planalto. Sarney queria seis anos e defendia uma República Presidencialista. Alves era ligado a Sarney. Era, também, um rico pecuarista do interior de São Paulo, um dos nomes mais importantes daquilo que hoje chamaríamos de bancada do agro.

Foi para enfrentar estas três pautas que, sob orientação de Sarney, Robertão deu forma ao grupo de certo jeito amorfo que batizou Centrão. Foi seu líder inicial junto com os também deputados Ricardo Fiúza e Amaral Neto, que se tornara célebre como um jornalista de TV que tecia loas ao governo Médici. Ganhou este nome, Centrão, não porque representasse o Centro. Ao contrário, era claramente a Direita dentre os constituintes. Mas pegava mal, naquele período imediatamente após a Ditadura, se dizer de Direita. Não conseguiram tudo o que quiseram. A Reforma Agrária saiu, embora se limitando a terras improdutivas, um projeto menos arrojado do que desejavam Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. Sarney não conseguiu seis anos, mas conseguiu cinco. E a decisão do regime foi jogada para um plebiscito — o que terminou por condenar o Parlamentarismo.

Regimes precisam aprender a funcionar. O jeito de organizar o poder não nasce pronto. Primeiro é preciso uma Constituição, o livro com as regras em cima das quais o equilíbrio será criado. E o processo não é planejado, passa pela tentativa e erro. Fernando Collor de Melo não tinha um Centrão operante, tentou governar por medidas provisórias atropelando o Congresso. Perante a impopularidade e o caos econômico, sem ter construído apoio nas duas Casas do Legislativo, quando precisou, caiu. (Os escândalos de corrupção aconteceram, mas outros presidentes também tiveram os seus. Não é corrupção que derruba governos.)

O Centrão de Temer não era o mesmo Centrão de Alves. O de Alves era, em essência, o bloco do Planalto na Assembleia. O de Temer era um bloco que queria votar com o Planalto, só não o faria de graça.

Severino não ficou muito tempo no comando da Casa — um escândalo de corrupção o obrigou a renunciar oito meses após a posse. Mas, tendo sido eleito pela força coletiva dos deputados sem expressão política, trabalhou para eles. E sua primeira intuição foi atende-los diretamente, ignorando o Colégio de Líderes. Inepto, Severino descentralizou o poder na Câmara, sinalizando o caminho que outros dois presidentes seguiriam com bem mais eficiência. Um, o carioca Eduardo Cunha, do PMDB. Outro, o alagoano Arthur Lira, do PP.

Cunha e Lira uniram a eficiência da máquina de mapear votos sofisticada por Temer com a quebra da estrutura de comando partidário de Cavalcanti. A força de Eduardo Cunha estava em sua grande capacidade de estudo, trabalho e total falta de escrúpulos. Ele não sabia apenas o que o governo desejava votar ou não, como tinha perfeita noção de quanto poderia extorquir em emendas e cargos por cada ponto. Mas Cunha compreendia, também, como funcionava dentro da Câmara os diversos lobbies setoriais. Sabia que projetos interessavam a que grupos empresariais. Assim, tomava dinheiro também na ponta. Os ganhos eram compartilhados com o Baixo Clero, deputados que lembram dele como um presidente sempre atencioso. No auge do poder, Cunha usou do impeachment como arma de vingança pessoal, quando deputados do PT votaram por sua cassação no Conselho de Ética.

Lira não tem a sofisticação de Cunha no mapeamento dos lobbies mas também não precisa. A discrição que houve, ainda que tênue, foi abandonada na Câmara dos Deputados. O poder de impeachment foi utilizado como arma de extorsão contra um presidente que não tem qualquer pudor — um presidente que, ora, nasceu do Baixo Clero da Câmara. Um presidente da República que vem do Centrão. O poder de Lira já não é mais usado para tirar verbas, projetos ou cargos do Executivo. Não precisa mais, agora ele próprio controla a verba. Em essência, a estrutura da Câmara dos Deputados foi convertida em uma máquina de financiamento das campanhas de parlamentares do Baixo Clero. É a deterioração completa de um sistema que nunca foi perfeito.

É importante compreendermos como chegamos até aqui, porque o problema central da República está em quão disfuncional se tornou a relação entre Executivo e Legislativo. O equilíbrio nessa relação se rompeu, o Centrão é apenas o sintoma mais evidente.


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