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24/07/2022 às 09h09min - Atualizada em 24/07/2022 às 09h09min

Nos 125 anos da ABL, uma celebração de Machado de assis

Tay Oliveira
Meio

 

Por Tay Oliveira

No dia 20 de julho, a Academia Brasileira de Letras (ABL) completou 125 anos de história. A instituição foi fundada em 1897 pelos escritores Affonso Celso, Graça Aranha, Inglês de Sousa, Lúcio de Mendonça, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Ruy Barbosa, Visconde de Taunay. E sob a liderança do glorioso Machado de Assis. A criação da ABL se deu em um momento em que a cultura e o repertório literário brasileiros estavam em plena configuração e foi uma espécie de coroação desse processo.

Duas das funções primordiais da instituição são o cuidado com a língua portuguesa e a preservação da memória nacional por meio da literatura. Ela segue o modelo da academia da Academia Francesa, criada em 1635. Ambas têm quarenta cadeiras e é obrigatório que seus imortais tenham publicado pelo menos um livro. Uma diferença interessante entre o modelo francês e o brasileiro é que, desde a sua criação, a Academia Francesa aceitou acadêmicos não só do campo da literatura, mas antropólogos, sociólogos e filósofos, por exemplo.

A ABL tem se aberto para novas formas de enxergar a literatura brasileira, sobretudo nas duas últimas décadas. Essa tentativa de democratizar o acesso foi vista mais recentemente com a consagração de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro. Mas a pecha de elitista segue, especialmente se considerado o aspecto racial — 54,3% da população brasileira é negra e apenas três pessoas pretas são imortais da Academia Brasileira de Letras, um deles seu fundador, Machado de Assis. A pouca diversidade da academia é reconhecida mesmo por seu atual presidente, Merval Pereira.

Para celebrar o 125º aniversário da Academia Brasileira de Letras e Machado, o Meio conversou com João Cezar de Castro Rocha, escritor, historiador, enxadrista e professor de literatura comparada. Rocha é um especialista machadiano e, entre outros, organizou o livro Machado de Assis, Lido e Relido, com ensaios de diferentes estudiosos sobre o autor. Confira trechos da entrevista.

Machado de Assis ainda é considerado o autor mais importante da história do Brasil e influencia na obra de diversos autores. Por que ele foi tão consumido e continua sendo até hoje?

Machado de Assis é um dos autores mais coloquiais da literatura brasileira, isto é, a estrutura da frase é a mais elementar possível. É sujeito, verbo e predicado. O vocabulário de Machado continua atual, e isso ocorre porque, ao contrário do que era comum na época, quando se partia do princípio que para escrever literatura é preciso escrever difícil, Machado é coloquial. Ele é um escritor fantástico. Machado permanece sempre moderno porque foi uma espécie de modernista antes do tempo. Ele sempre escreveu lançando mão dos recursos mais comuns da língua para obter efeitos inesperados. O segredo de Machado nunca está na superfície, está sempre nas entrelinhas.

Qual é a grande lição de Machado de Assis para a cultura brasileira?

Machado nos ensina que para se tornar um grande escritor ou um grande artista o mais importante é lutar contra o seu próprio talento. Esse é o ponto. Ainda hoje no Brasil nós temos o culto ao improviso, ao gênio e à inspiração. Mas Machado nos mostrou com sua vida inteira que é importante disciplinar o próprio talento. Desde a sua primeira publicação, aos 15 anos de idade, até a sua última já perto da morte, Machado não passou um dia sequer sem ler ou estudar. Ele só chegou tão longe porque sempre soube que um verdadeiro escritor é sobretudo um grande leitor. Você só se torna realmente importante no que faz quando compreende que a sua principal luta é contra o talento, que, afinal, é um facilitador.

Como você vê a presença de questões raciais na obra de Machado de Assis, já que ele é acusado de não ter falado explicitamente sobre elas, apesar de ser um homem negro?

Uma das maiores incompreensões em relação a Machado diz respeito justamente à questão racial. Por muito tempo foi comum se dizer que Machado dava pouca importância ao fato de ele mesmo ser um homem negro vindo de família pobre e que teria dado pouca importância à escravidão. Nada mais equivocado. Há um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, o Eduardo de Assis Duarte, que há muito tempo tem mostrado como isso não é verdade. Ha nos contos machadianos, nas crônicas e nos romances, referências à escravidão e a condenação explícita dela como um sistema econômico do Brasil. Machado nunca foi panfletário, isso com certeza. Mas nunca ignorou a realidade brasileira.

Como não ser panfletário o ajudou?

Todo panfleto é muito direcionado ao tempo presente. Quando os anos se passam, a referência fica obsoleta. Machado foi muito crítico da estrutura da sociedade brasileira e por isso ele permanece atual. Por exemplo, no conto Mariana há uma naturalização da violência, o que a torna ainda mais violenta, e a maior violência hoje no Brasil é o fato de que naturalizamos a violência. E como desnaturalizá-la? Lendo Machado de Assis.

Agora falando sobre a ABL e a falta de representatividade feminina. Até 1976, as mulheres eram proibidas de se candidatar a imortais. Rachel de Queiroz foi a primeira a conseguir o feito. E anos mais tarde, apenas outras oito mulheres foram eleitas. Como se explica esse machismo da ABL?

Nós vivemos em um país racista, sexista e homofóbico. Não podemos pensar na ABL como se ela fosse uma ilha cercada de belos sentimentos de todos os lados. Ela ainda é uma associação brasileira e não está imune às mazelas e aos paradoxos da sociedade. O que a academia pode fazer é estar na vanguarda. Mas sem dúvida alguma a ABL deve ter uma abertura cada vez maior para as mulheres, para a população negra e muito em breve, esperemos, para a emergência da literatura indígena.

Quando se fala na presença de autores negros temos um percentual menor do que o das mulheres.

A Academia Brasileira de Letras é elitista. São apenas quarenta cadeiras. Digamos que quem está lá é a elite da cultura brasileira. Há esse esforço que deve ser reconhecido de ampliação da democratização da academia nesse sentido. Podemos observar pelos últimos nomes que ingressaram, como Fernanda Montenegro, que é uma dama do teatro brasileiro, Gilberto Gil, Geraldo Carneiro, que é poeta e trabalhou durante muitos anos na televisão. Enfim, houve de fato uma abertura muito grande da academia para novas figuras e isso é muito positivo. Mas visto que a população negra é mal representada diante da sociedade, na academia não poderia ser diferente.


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