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21/05/2024 às 10h59min - Atualizada em 22/05/2024 às 09h55min

Maio mês do Trabalho: comemoremos, mas continuemos a lutar pela dignidade humana

RICARDO SILVA
divulgação
Nesta data significativa e de impacto à sociedade, busquemos observar, de perto, algumas situações vexatórias e estarrecedoras referentes a casos desumanos vivenciados por alguns trabalhadores, no Brasil, que se tornaram manchetes de sites e jornais de todo o país, na segunda quinzena do mês de abril: “operários de uma pedreira clandestina, em Taquiara, região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, recebiam pedras de crack como pagamento”.
Nesse caso, em específico, três homens foram resgatados de trabalho análogo à escravidão. A repercussão negativa fez com que o Tribunal Regional do Trabalho, da 4ª Região, instaurasse reunião para discutir medidas de enfrentamento.
Segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, entre 1995 e 2022, 57.772 pessoas foram resgatadas, no país, nessas circunstâncias. Mais de 80% das vítimas, em 2022, se declararam pretas e pardas, sendo a maioria homens com idade entre 18 e 29 anos, em ocupações no setor agropecuário, que atuam com criação de bovinos e cultivo de cana-de-açúcar.
Para tentar solucionar essa triste realidade, em 2023, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) instituiu o “Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante”, uma iniciativa que vem desenvolvendo ações permanentes, tais como: capacitação de juízes e servidores para a escuta qualificada de pessoas escravizadas, traficadas e migrantes; produção de conhecimento amplo de fatos e normas relativos à escravidão contemporânea; e avaliação sobre a efetividade das decisões judiciais e sua aptidão para reverter, prospectivamente, o quadro social que induz à submissão ao trabalho escravo.
Mesmo com os esforços do referido programa, o governo brasileiro resgatou, no ano passado, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão, registro maior desde 2009, quando 3.765 pessoas foram resgatadas. Apesar do número, os dados mostram como o país regrediu no período recente, e parte dessa estatística pode ser explicada devido à quantidade de auditores fiscais do trabalho, que chega ao menor nível em 30 anos.
No Dia do Trabalho é necessário comemorarmos a data, sim, mas de uma forma crítica, exigindo trabalho decente para todos, lutando pela dignidade humana e pressionando autoridades a extinguir o labor análogo à escravidão. A comemoração do 1°de Maio, historicamente, mostra a força de diferentes povos na luta por dignidade, e precisamos continuar nessa toada.
É válido rememorar quando tudo começou, lá em 1886, nos Estados Unidos, quando cerca de 340 mil trabalhadores fizeram uma greve geral em Chicago, reivindicando a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. Naquela época, o país vivia o período denominado “Gilded Age”, época de extremos contrastes sociais, cuja pequena elite de magnatas da indústria acumulava enormes riquezas, enquanto a maioria dos trabalhadores vivia em condições precárias.
No Brasil, a origem do Dia do Trabalhador está relacionada ao movimento operário e às lutas sindicais que ocorreram no final do século XIX e início do século XX. Em 1917, por exemplo, foi realizada, em São Paulo, uma grande greve geral que reivindicava a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias, dentre outras pautas.
E não podemos deixar de citar e render loas à Constituição Federal de 1988, grande artífice dos avanços nos direitos sociais, especialmente no Direito Trabalhista. Ou seja, uma grande revolução à classe trabalhadora, justamente em seu artigo 7°, referente aos Direitos e Garantias Individuais. Desde então, continuamos na luta, sobretudo nas trincheiras pela imposição da dignidade humana no trabalho. E o princípio dessa dignidade do homem entende-se a exigência enunciada pelo filósofo Emmanuel Kant, como segunda fórmula do imperativo categórico: “age de tal forma que trates a humanidade, tanto na sua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre, também, como um fim e nunca unicamente como um meio”. Toda pessoa humana, ser racional, com um fim em si mesmo, possui um valor absoluto, intrínseco e inalienável: a dignidade (humanidade).
É obrigação dos legisladores e operadores do Direito insistirem na prevenção para forçar a extinção dos casos relatados no início deste artigo. Para tanto, é necessário que se invista em melhorias na geração de renda; prestação de assistência às vítimas; realização do pagamento de direitos por meio de processo judicial ou de acordo trabalhista; qualificação profissional das pessoas que se encontravam na situação de trabalho análoga à escravidão; e medidas de repressões.
Casos como dos três homens resgatados e também o de Sônia Maria de Jesus, mulher negra, 50 anos, com deficiência auditiva, que passou mais de 30 anos em condições análogas à escravidão, cuja a família luta no Judiciário para retirá-la da casa de um Desembargador de Santa Catarina, precisam de luta(s), como a de nossos antepassados, para que seus perpetradores tenham a devida punição, a fim de se coibir essas violações gravíssimas aos Direitos Humanos.
Este é um assunto que não pode ficar no ostracismo ou ser tratado como algo de menor importância. Por isso, a pauta trabalhista deve continuar avançando, no intuito de contribuir para com o avanço e evolução moral da humanidade, sem regressão a comportamentos adotados no século XIX.
Comemorar uma data tão importante para o Brasil e o mundo é necessário, contudo, depararmo-nos com tantos casos de violações aos Direitos Humanos e Trabalhistas é um tanto quanto constrangedor e ofusca, um pouco, o brilho do 1°de Maio, uma vez que vidas humanas importam e seus direitos devem ser preservados e respaldados pela Justiça.
Assim, que essa data seja marcada por reflexão profunda e muita(s) luta(s) não apenas de uma classe de profissionais ou segmento da nação, mas de toda uma sociedade que prima pela dignidade de seus semelhantes.

Patrícia Souza Anastácio é advogada, consultora, palestrante e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela USP. Especialista em Direito Processual Civil pela ESA. Pós-graduanda em Direitos Humanos pela PUC-Minas, MBA em Advocacia Corporativa e Governança EAD. Conselheira da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo. Membra efetiva da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB. Membra suplente da Comissão de Advogado Assalariado da OAB. Advogada membra da ANAN – Associação Nacional dos Advogados Negros. Sócia do Escritório Chaul, Anastácio e Carvalho Advogados.
 

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RICARDO DA SILVA
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