Em "A Língua Submersa", romance recém-lançado de Manoel Herzog, estamos em meados do século 21. O Brasil não mais existe, faz parte da enorme região denominada Boliviana-Zumbi, uma república fundamentalista cristã. Quem manda no governo é a Igreja Bola de Fogo. A sociedade está dividida entre mandatários, oportunistas, empreendedores e marginalizados. A moeda se chama bênção. Ao artista resta a opção de emigrar para a China, caso não se dedique ao gospel, à literatura edificante, aos quadros decorativos e às encenações bíblicas.
A BBC Brasil revelou como traficantes, que se declaram evangélicos, dominam favelas do Rio usando armas e símbolos bíblicos —a estrela de Davi está em muros, bandeiras e até em neons do chamado Complexo de Israel. A facção criminosa se autodenomina Tropa de Arão, referência ao irmão de Moisés. Pesquisadores classificam o fenômeno de narcopentecostalismo.
Um avião, da Igreja do Evangelho Quadrangular —liderada pelo ex-deputado Josué Bengtson, tio da senadora Damares Alves—, foi apreendido em Belém com 290 quilos de supermaconha. Damares integra a bancada evangélica, que, além de pressionar o governo para ampliar a isenção tributária, quer aumentar os benefícios de templos religiosos —imunidade para gastos na compra de aviões, por exemplo.
Em entrevista, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol justificou a subjugação da mulher diante do homem com um argumento infalível no Brasil de hoje. Segundo ele, tal interpretação está no Velho Testamento —e ponto final.
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".